Anna Bastos fala sobre a gestão de crise como elemento fundamental no processo de busca de soluções nas crises provocadas por fatores internos como o desgaste da relação societária
A atividade empresarial é impactada por diversos fatores internos e externos que influenciam no desenvolvimento das atividades e no resultado final da operação, por isso cada vez mais a metodologia de gerenciamento de riscos tem se tornado uma ferramenta estratégica para orientar os gestores no processo decisório.
Nesse processo, alguns riscos serão mitigados, compartilhados e outros serão suportados. Assumir risco faz parte do dia-a-dia de qualquer empresário e saber lidar com estes riscos é crucial para a construção de negócios sólidos e perenes.
Porém, infelizmente, existem situações em que os riscos se materializam e crises são instaladas.
O objetivo deste artigo é abordar a estratégia de gestão de crise como elemento fundamental no processo de busca de soluções nas crises provocadas por fatores internos como o desgaste da relação societária.
A premissa que norteia o relacionamento entre sócios é a confiança para a construção de um fim social comum.
Ao analisar a jurisprudência vigente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode-se verificar que existem decisões que reconhecem a possibilidade de dissolução de sociedade por quebra da “affectio societatis”.
“Assim, a reunião de acionistas em torno de interesses convergentes torna a harmonia entre os sócios imprescindível à operacionalidade dessas empresas. Em outras palavras, em se tratando de companhia familiar, ou sociedade formada a partir da nítida convergência pessoal dos sócios, o regular desenvolvimento da atividade empresarial se mostra umbilicalmente atrelado à manutenção da affectio societatis, isto é, na confiança recíproca entre os sócios. Desse modo, o desentendimento entre os acionistas, conforme o grau, poderá inviabilizar o negócio, equiparando a ruptura da affectio societatis à causa suficiente para a dissolução, prevista no art. 206, II, “b”, da Lei nº 6.404/76 – LSA, qual seja, a impossibilidade de a sociedade cumprir seu fim.”[1]
Demonstra-se que a base para a construção e a manutenção de uma sociedade é o relacionamento harmonioso entre os sócios, de forma a permitir a sua operacionalidade.
No momento em que não há mais possibilidade de operar a empresa de forma conjunta, os sócios devem refletir sobre o seu papel na sociedade e os impactos advindos desta permanência.
Diversos são os motivos que levam à crises societárias: não cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato social e/ou acordo de sócios, falta de tempo para dedicação aos negócios, problemas de comunicação, ausência de transparência sobre os atos de gestão, desvios de conduta, gestão fraudulenta, entre outros.
Bem como diversas são as consequências que podem decorrer de disputas societárias. Na jurisprudência citada acima foi determinada a dissolução parcial da sociedade. Mas, pode-se ocorrer a exclusão de sócio, aquisição de quotas pelo atual sócio ou terceiro, venda integral da empresa, ou até dissolução total da empresa.
No momento em que estes problemas internos passam a interferir na imagem da empresa no mercado e trazer consequências para todos os stakeholders, dizemos que a crise está estabelecida.
A jurisprudência do STJ caminha para a defesa do princípio da boa-fé objetiva que decorre do duty to mitigate the loss. Este instituto reconhece o dever da empresa de mitigar o próprio dano.
Baseando-se nestes conceitos para a análise dos conflitos societários, entende-se que a empresa tem o dever de proceder medidas possíveis e razoáveis para limitar o seu prejuízo e dos terceiros com os quais se relaciona.
Dessa forma, deve “tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano gerado à outra parte não seja ainda mais agravado pela sua inércia, impondo gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra parte, circunstâncias que infringem os deveres de cooperação e lealdade”.[2]
A atual jurisprudência reforça a defesa do papel social da empresa e da necessidade de composição entre os sócios para o atingimento de um objetivo comum, a proteção da empresa, seus stakeholders e a sua continuidade no mercado.
A inércia de seus sócios diante de um conflito societário que impede a operação correta e expedita da empresa pode ser considerada uma afronta ao princípio do duty to mitigate the loss.
Infelizmente, na grande maioria dos casos, prevalecem os interesses pessoais frente aos interesses da empresa, uma vez que se confundem no processo de disputas societárias, um claro conflito ao princípio da preservação da empresa.
De acordo com Fabio Ulhoa Coelho “o princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial.”[3]
Por isso, o processo gerenciamento de crise apresenta-se como como metodologia favorável para auxiliar os sócios a encontrar o melhor caminho para os seus interesses bem como para a empresa constituída.
Para evitar um dano reputacional, uma desvalorização da empresa e principalmente prejuízo para os clientes e fornecedores, é necessária a união de esforços distintos para o atingimento de objetivos comuns. Faz-se imperioso o desenvolvimento de ações conjuntas e integradas para conhecer e controlar os impactos e as consequências da crise.
O auxílio aos sócios neste momento, exige do advogado uma postura muito mais de conciliação do que de beligerância. A busca por soluções extrajudiciais permite que os sócios tenham a solução do problema de forma mais célere, com menos impactos na operação da empresa, menor risco de exposição na mídia bem como menores custos.
No processo de gerenciamento de crises serão criadas condições para que as informações necessárias, bem como os pontos de vistas dos sócios sejam postas à mesa e as decisões estratégicas sejam tomadas frente ao conhecimento dos fatos e análise das consequências.
A construção de cenários com a descrição de cada etapa e as suas principais consequências para os sócios e para a empresa é a ferramenta utilizada para facilitar o processo decisório.
Além de construir cenários é importante analisar qual é o impacto e a probabilidade que estes cenários aconteçam. O resultado deste trabalho será a construção de um mapa de calor com a respectiva identificação dos cenários no mapa. De forma muito visual, ficará claro para os sócios os cenários mais benéficos e os mais preocupantes para a sociedade.
É importante ressaltar que o foco deste trabalho é o desenvolvimento de soluções que garanta e integridade patrimonial, financeira e reputacional da empresa e isso passa pela solução do conflito estabelecido entre os sócios.
O ponto estratégico do trabalho é a constituição de um Comitê de Crise que irá participar de todo o desenvolvido do trabalho de forma estruturada e com o apoio e envolvimento integral dos sócios e pessoas designadas por eles.
A depender do caso, o Comitê será construído por advogados de diferentes especialidades, sendo o advogado criminalista um grande parceiro no processo de definição das etapas e impactos quando a crise envolver atos ilícitos.
Outro profissional de grande importância no processo é o assessor de imprensa que trabalhará para garantir que a imagem da empresa no mercado seja preservada e os conflitos societários impactem o mínimo possível na reputação construída.
O suporte de profissional especializado também faz-se necessária para responder possíveis boatos e vazamento de informações para a mídia. Saber o que falar e como falar é fundamental. A interlocução com os canais de comunicação deve ser centralizado para evitar que informações discrepantes sejam fornecidas em nome da empresa.
Caso os sócios tenham que se comunicar com o mercado e com os meios de comunicação de forma direta, o assessor de imprensa irá desenvolver o papel de suporte no conteúdo a ser divulgado para que as informações sejam claras e objetivas.
O Comitê de Crise desenvolverá o seu papel gerenciando os fatos e atualizado à todos sobre os novos cenários e impactos prováveis para a sociedade e seus sócios.
É importante ressaltar o papel de imparcialidade e profissionalismo dos especialistas que irão compor o Comitê. Atitudes éticas e transparentes devem pautar suas atitudes para que haja confiança dos sócios nas proposições que forem apresentadas.
A empresa constituída e em operação deve ser resguardada, assim como as partes interessadas. Isto posto, demonstra-se a importância de uma nova visão para a solução de conflitos societários de forma a proteger a empresa e as partes interessadas em consonância com o princípio da preservação da empresa.
Anna Bastos
Anna Bastos é advogada, atuante na área de Direito Empresarial, Internacional e Compliance no escritório Anna Bastos Advocacia. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Empresarial.
Bibliografia:
ASSI, Marcos. Gestão de riscos com controles internos. 2012. Editora Saint Paul.
AVALOS, José Miguel Aguilera. Auditoria e Gestão de Riscos. 2009. Editora Saraiva.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 11ª edição, 2008. Editora Renovar.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de empresa. Volume 1, 17ª edição, 2013. Editora Saraiva. Site do Supremo Tribunal Federa
[1] REsp 1.400.264/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 30/10/2017.
[2] AgInt no AREsp 882327 / MG. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2016/0062807-8.
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de empresa. Página 80, volume 1, 17ª edição, 2013. Editora Saraiva.